José Afonso

 (umha biografia mínima)

Álbuns de estúdio

  • Baladas e canções (1964)
  • Cantares de andarilho (1968)
  • Contos velhos rumos novos (1969)
  • Traz outro amigo também (1970)
  • Cantigas do Maio (1971)
  • Eu vou ser como a toupeira (1972)
  • Venham mais cinco (1973)
  • Coro dos tribunais (1974)
  • Com as minhas tamanquinhas (1976)
  • Enquanto há força (1978)
  • Fura fura (1979)
  • Fados de Coimbra e Outras Canções (1981)
  • Como se fora seu filho (1983)
  • Galinhas do mato (1985)

Álbuns ao vivo

  • José Afonso in Hamburg (1982)
  • Ao vivo no Coliseu (1983, álbum duplo)

O homem

José Afonso, que era de nome José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos, nasceu em 1929 em Aveiro, numha família acomodada, filho de um juiz e de umha professora primária. A profissom do pai logo levou a família para as colónias portuguesas: primeiro Angola, depois Moçambique, por último Timor. Naqueles primeiros anos, o jovem José Afonso vive alternativamente com os pais na África, onde o contacto com a natureza o irá impactar fortemente, e com familiares em Portugal, que na altura mal vive na asfixiante atmosfera criada pola ditadura salazarista.

As tímidas mudanças no ambiente político e social que começam a agromar em Coimbra, onde na sua juventude frequenta o liceu e a Faculdade de Letras e onde faz parte do Orfeom e a Tuna Académica, também impactam nele. Nom só se irá revelar como um intérprete capaz da cançom de Coimbra; com o tempo, irá ser um dos maiores reformadores da música portuguesa.

Em 1953, casado em segredo por oposiçom da família, com um filho e com enormes dificuldades económicas, cumpre com o serviço militar e começa depois umha carreira de docente que o irá levar por diferentes localidades — Mangualde, Alcobaça, Aljustrel, Lagos, Faro — sem que isso rompa as suas ligaçons com Coimbra. Antes ao contrário, o primeiro disco que grave, em 1953, levará o nome de Fados de Coimbra. Nele nom só se evidenciam os ares de mudança da cançom coimbrá, como também o contacto com figuras influentes como António Portugal, Flávio Rodrigues da Silva, Manuel Alegre, Louzã Henriques ou Adriano Correia de Oliveira, que o irá marcar especialmente.

O sucesso de Fados de Coimbra leva José Afonso a aprofundar na via musical, enquanto continua a trabalhar e estudar — terminando em 1963 a licenciatura em Ciências Histórico-Filosóficas com umha tese sobre a filosofia existencialista de Jean Paul Sartre. Participa frequentemente em festas populares, canta em colectividades operárias e produz novos discos: Balada de Outono (1960) e Coimbra (1960). É a partir de 1962, que começa o seu período musical mais rico, criando as primeiras músicas de intervençom.

O músico-militante

Com o seu amigo, o estudante de Medicina Rui Pato, grava meio cento de temas e percorre todo o país cantando de novo em colectividades operárias, associaçons de estudantes, cineclubes, etc., em espectáculos com umha clara orientaçom anti-salazarista, o que fai acordar definitivamente o interesse da polícia política e da censura, que proibe a publicaçom do disco Baladas de Coimbra (1962) por conter os temas «Os vampiros», umha cançom contra o capitalismo, e «Menino do Bairro Negro», inspirada na miséria do bairro do Barredo no Porto. Nom é por acaso que aquele «Os vampiros» se vinhese a tornar um dos hinos da resistência anti-salazarista da época, junto com a «Trova do vento que passa» do seu amigo Adriano Correia de Oliveira.

Em 1964, depois de umha gira integrado num grupo de fados e guitarras com outros músicos como o próprio Correia de Oliveira, José Niza, Jorge Godinho, Durval Moreirinhas e Esmeralda Amoedo pola Suíça, a Alemanha e a Suécia, regressa a Portugal e canta na Sociedade Musical Fraternidade Operária Grandolense, onde se irá inspirar para o seu tema mais universal, o «Grândola, vila morena». O «Grândola…», contudo, nom figura nos discos publicados aquele ano (Cantares de José Afonso e Baladas e Canções) e demora a sua apariçom até 1971. Naquele momento, entre 1964 e 1967, José Afonso está a morar e dar aulas em Maputo, Angola, que na altura ainda levava o nome colonial de Lourenço Marques, e na Beira, Moçambique. As suas manifestaçons contra o Estado Novo e pola independência das colónias causam-lhe novos problemas com a PIDE.

Em 1967 regressa a Portugal e começa a leccionar em Setúbal, onde porém permanece pouco tempo ao ser expulso definitivamente do ensino oficial. Os contactos que estabelece com a Liga de Unidade e Ação Universitária (LUAR) e com o Partido Comunista Português — embora sempre se manter independente de partidos — acabam com a sua primeira detençom pola PIDE. Mesmo assim, continua a cantar e publica em 1968 mais um disco: Cantares do Andarilho, que o leva a merecer o prémio da Casa da Imprensa polo Melhor Disco do Ano e o prémio à Melhor Interpretaçom. Todavia, José Afonso continua no radar da polícia política e da censura. Para a evitar, os meios escrevem o seu nome com o anagrama Esoj Osnofa.

Ao premiado Cantares do Andarilho segue-o, em 1969, Contos velhos, rumos novos, que abre definitivamente a paleta tímbrica da música de José Afonso, que deixa de ser acompanhado apenas da viola de Rui Pato e inclui nova instrumentaçom, talvez por influência de José Mário Branco, o produtor do disco. Nesse disco incluem-se novos temas de protesto, como «Já o tempo se habitua», sobre o desalento de quem procura a liberade, ou como o mais evidente «Era de noite levaram», sobre as perseguiçons da PIDE contra a dissidência. A linha de composiçons mais complexas continua em 1970 com Traz outro amigo também, e a linha de intervençom política nunca desaparece. Naquele mesmo ano, participa em Paris no primeiro encontro da Chanson Portugaise de Combat, junto com outros músicos exilados na França, como Sérgio Godinho, José Mário Branco, Luís Cília e o Trio Portugal. Naquele concerto é increpado por alguns assistentes de organizaçons da ultra-esquerda que o acusam, num panfleto distribuído à entrada, de colaboracionismo com o regime salazarista em troca de poder continuar a viver em Portugal e a editar discos. O concerto, finalmente, termina em confrontos físicos.

Em 1971 sai mais um LP, Cantigas do Maio, que inclui o «Grândola, vila morena», composto em 1964. Gravado na França, o disco — considerado hoje o melhor de José Afonso — é proibido pela Censura da Emissora Nacional, e apenas é concedida umha excepçom à Rádio Renascença para a emissom, precisamente, do «Grândola…», o que iria permitir o seu uso revolucionário três anos mais tarde. O Zeca continua, no entanto, a realizar recitais e concertos em Portugal e fora, incluída na Galiza, aonde é levado por músicos de intervençom da chamada Nova Cançom Galega. Será no concerto no Burgo das Naçons de Compostela em 1972 onde interprete, pola primeira vez em público, a sua Grândola. Naquele ano também publica o disco Eu vou ser como a toupeira, com temas como «A morte saiu à rua» em referência ao assassinato do pintor comunista José Dias Coelho por parte da PIDE. Em 1973, canta no III Congresso da Oposiçom Democrática e noutros locais, quando a polícia política nom o impede. Afinal, em Abril é preso e fica na prisom de Caxias vinte dias, onde escreve o poema «Era um redondo vocábulo» que logo irá musicar. No natal, já livre, grava em Paris o álbum Venham mais cinco, que mais umha vez é proibido pola censura.

Em 1974 os acontecimentos disparam-se. Em Março, num concerto no Coliseu de Lisboa com outros cantores de intervençom como Adriano Correia de Oliveira, interpreta-se em Portugal a «Grândola». Naquele concerto, a censura proibira a encenaçom de «Venham Mais Cinco», «Menina dos Olhos Tristes», «A Morte Saiu à Rua» e «Gastão Era Perfeito», mas permitia, curiosamente, a «Grândola». Os militares do MFA que estám entre o público escolhem entom o tema como senha para a Revoluçom.

Cantor da Revoluçom

A utilizaçom por parte do Movimento das Forças Armadas do «Grândola, vila morena» como senha para o golpe que acabou com a ditadura do Estado Novo converteu José Afonso num sinónimo de Revoluçom. O envolvimento do próprio Zeca nos acontecimentos que se iriam produzir logo depois do 25 de Abril e a sua adesom ao PREC (Processo Revolucionário em Curso) através do movimento revolucionário LUAR — que chega a editar o single «Viva o poder popular» — materializa-se também em novos concertos, em numerosas sessons do Canto Livre Perseguido organizadas polo PCP, na sua participaçom nas campanhas de alfabetizaçom que lança o MFA e mesmo no seu apoio à campanha presidencial de Otelo Saraiva de Carvalho — um dos capitáns de Abril — nas eleiçons de 1976. Antes, em 1974, publica outro dos grandes discos da Revoluçom: o Coro dos Tribunais, que contém novas músicas de intervençom como «O que faz falta» ou «Só ouve o brado da terra», e também adaptaçons de Bertold Brecht. O arranjista neste disco irá ser Fausto Bordalo Dias, outro dos vultos importantes da cançom de protesto da época.

Aquele envolvimento com a causa da liberdade e da justiça social alargou a sua presença fora de Portugal. Em Itália chega a publicar o álbum República, editado por organizaçons revolucionárias italianas e cujas receitas se iriam destinar a apoiar a Comissom de Trabalhadores do jornal Repubblica ou, caso o jornal fosse extinto, como foi, o Secretariado Provisório das Cooperativas Agrícolas de Alcoentre. O disco ficou desconhecido em Portugal, mas incorporou umha colectânea dos temas de intervençom de José Afonso: «Para Não Dizer Que Não Falei de Flores» (Geraldo Vandré), «Se os Teus Olhos se Vendessem», «Foi no Sábado Passado», «Canta Camarada», «Eu Hei-de Ir Colher Macela», «O Pão Que Sobra à Riqueza», «Os Vampiros», «Senhora do Almortão», «Letra para Um Hino» e «Ladainha do Arcebispo».

Em 1976, José Afonso publica o álbum Com as minhas tamanquinhas, um disco de raiva que reflexa a situaçom de queda do PREC em que o Zeca se tinha envolvido totalmente. Temas como «Os fantoches de Kissinger» ou «Como se faz um canalha» evidenciam essa carragem. A fase «cronista» de José Afonso continua com o disco Enquanto há força, publicado em 1978, que inclui de novo o «Viva o poder popular» que já tinha sido editado como EP nos dias da Revoluçom, e outras músicas ligadas às suas preocupações anti-colonistas e anti-imperialistas e à sua crítica à Igreja. Em 1979, edita mais um álbum sob o título Fura Fura, com oito temas de música para teatro, e paticipa também em Bruxelas no Festival Contra-Eurovisom, em que cantores populares de toda a Europa participaram para denunciar o estabelecimento de umha Europa institucional, liberal-conservadora, baixo controlo político da Alemanha, da França e da NATO.

Em 1981, após dous anos de silêncio, regressa à etapa coimbrá com o disco Fados de Coimbra e outras canções, e realiza novos recitais na França. Já em 1982, a doença — esclerose lateral amiotrófica — começa a apresentar os primeiros sintomas. Em Janeiro de 1983, já em dificuldades, realiza os últimos concertos ao vivo, nos coliseus de Lisboa e Porto. Daí saí o duplo álbum Ao vivo no Coliseu, que inclui a participaçom de músicos presentes naqueles concertos: Octávio Sérgio, António Sérgio, Lopes de Almeida, Durval Moreirinhas, Rui Pato, Fausto, Júlio Pereira, Guilherme Inês, Rui Castro, Rui Júnior, Sérgio Mestre e Janita Salomé. No natal daquele ano, José Afonso irá editar o que será o seu testamento político em forma de disco: Como se fora seu filho, em colaboraçom com Júlio Pereira, Janita Salomé, Fausto e José Mário Branco. Na altura, é reintegrado no ensino oficial, de que tinha ficado expulso em 1968, mas a sua doença agrava-se.

Em 1985 edita o seu último álbum, Galinhas do Mato. Nele, José Afonso já nem consegue cantar todos os temas, finalmente interpretados por diferentes amigos e colaboradores como José Mário Branco, Sérgio Godinho, Helena Vieira, Fausto ou Luís Represas. Na Galiza, é-lhe realizada umha das maiores homenagens, com um concerto em Vigo que dura doze horas, ao que acodem quase vinte mil pessoas, e no que participam inúmeros músicos e poetas galegos que tinham sido impactados fortemente polo Zeca. Finalmente, em 23 de Fevereiro de 1987, José Afonso morre no Hospital de Setúbal vítima da sua enfermidade. Mais de trinta mil pessoas acudiram ao seu funeral.